O dia 19 de março, dia
de São José no calendário católico, aproxima-se sem grande expectativa do
agricultor familiar. No imaginário popular, essa é a data-limite que marca o
início do inverno sertanejo. Caso não chova até aí – e, pelo jeito, tudo indica
que não vai chover, pelo menos na região – o inverno tende a frustrar-se mais
uma vez; as esperanças de dias mais fartos adiam-se para meados do ano –
outubro em diante – quando recomeça o hipotético ciclo de trovoadas. A partir
daqui o que se tem é a chuva miúda que não abastece reservatórios.
Descontando a chuva
intensa que despencou durante o Carnaval, numa única tarde, não chove forte há
muito tempo na Feira de Santana. As manhãs têm sido sufocantes; as tardes,
abrasadoras; nuvens se avolumam, algumas azuladas, mas o vento empurra para
distante. A partir de novembro, o calor foi intenso, insuportável, mesmo para
os padrões locais. Mas nada da chuva redentora.
Nem é preciso circular,
procurar o campo, afastar-se para a zona rural, para constatar os efeitos da
severa estiagem. As árvores – mesmo aquelas forjadas para os rigores do agreste
– perderam parte de sua imponência; a grama padece, seca e sem cor, nas raras
áreas verdes da cidade. Tudo sob o sol implacável que ressurge todos os dias,
inclemente.
A zona rural padece sob
rigor singular. Os reservatórios se esgotam, restando as bordas ressequidas que
circundam um líquido escurecido, pastoso; os pastos extinguiram-se: resta a
capoeira encarrascada, pontuada pelos juremais inextrincáveis; sobram poucas
crias dos rebanhos, solitárias, teimando em pastar poeira; e nem vestígio das
plantações viçosas que, antes, se estendiam pelas campinas modestas dos
minifúndios.
Animado e desenvolto
nas épocas de fartura, o sertanejo circula cabisbaixo, silencioso. Ali pelo
Centro de Abastecimento, é comum encontrar magotes deles, sérios, comentando as
agruras recentes; poucos se animam a fazer projeções, já que a estiagem
infindável quebrou o ânimo de todos, até das previsões otimistas que
alimentavam as esperanças de dias melhores.
E
se não chover?
Faz tempo que, na Feira
de Santana, não se atravessa um inverno de verdade. Anos atrás caíram chuvas,
mas eram aquelas precipitações que ajudavam mais a reforçar os reservatórios
que, propriamente, a assegurar o inverno regular, com intervalos adequados de
plantio e colheita. Isso empobreceu o homem do campo, que trabalha e se
empenha, mas vê seus esforços malogrados.
No momento, as
previsões são pessimistas: chuvas intensas não devem ocorrer até maio, quando
se encerra o período das trovoadas, das chuvas fortes. Péssimo para a
agricultura familiar, para o camponês pobre, mas também para a economia do
município, para o pequeno comércio, sobretudo aquele do Centro de Abastecimento
e imediações. A ciência do homem, às vésperas do dia de São José, constrange a
esperança de um inverno imediato.
Apesar da estiagem
histórica, o drama do nordestino só ganha espaço quando falam as bonitinhas da
previsão do tempo. Mas só naqueles mapas coloridos, anódinos, inexpressivos. Uma
ou outra matéria mostra as cenas clássicas da caatinga ressequida, dos
sertanejos à cata de água. É o clichê habitual, ao qual o telespectador já está
acostumado.
Nos últimos dias o
controverso governo Michel Temer (PMDB-SP) anunciou, com estardalhaço, a
conclusão de um trecho da transposição do rio São Francisco até a Paraíba, que
beneficia sobretudo o agronegócio. Mas ficou nisso: nada de falar da degradação
do rio, de ações perenes de convivência com a seca, de iniciativas articuladas
com os estados.
Há décadas se fala da
necessidade de se discutir, de forma articulada, o fenômeno das secas e a busca
por soluções conjuntas. A recente estiagem – tida como a mais intensa de todos
os tempos – constitui uma excelente oportunidade para se dar um primeiro passo
mas, pelo jeito, vai ficar tudo como está. Afinal, a República nunca tem tempo
para pensar no semiárido...
Comentários
Postar um comentário