É fácil perceber como
Salvador está loteada entre as facções que controlam o
crime organizado na capital. Nem é preciso sair investigando: naquelas
comunidades pobres que margeiam a BR 324 – Bom Juá, Retiro, São Caetano – é
possível ver, das janelas dos automóveis, os símbolos das facções pichados nas
paredes dos barracos que ficam no sopé dos morros. Aquilo é publicidade, mas
também advertência para eventuais adversários.
Nem sempre os avisos
intimidam: são comuns as notícias de confrontos entre quadrilhas rivais, que
costumam registrar mortos e feridos. Às vezes, moradores em trânsito pelas
vielas acabam alvejados pelos projéteis. Reclamar não resolve: naquele
emaranhado de becos, verdadeiros túneis de alvenaria, o poder público nunca
chega. Nem mesmo a polícia.
A diversidade de
facções em Salvador espanta. São pelo menos quatro, conforme divulga a polícia.
Uma delas, inclusive, é cria do Primeiro Comando da Capital (PCC), lá de São
Paulo. E uma outra – o Comando da Paz – é tão grande e tão pulverizada que seus
próprios integrantes se digladiam, disputando territórios do tráfico de drogas
pela cidade.
Se as facções regem o
submundo nas ruas, é evidente que controlam, também, o sistema penitenciário
baiano. Tempos atrás, numa rápida conversa com uma liderança dos agentes
penitenciários, ele me explicou que, na triagem dos presos que ingressam no
sistema penal, o bairro de origem e a facção predominante são os critérios que
definem o destino do novo interno.
Na orla do Rio Vermelho
é arriscado aventurar banho de mar. É comum, ali, integrantes da facção que
controla o entorno picharem muros e as próprias escadarias de acesso à praia.
Os vulgos das lideranças também emolduram postes e acessos às comunidades
pobres do entorno. Servem de aviso.
E
Feira de Santana?
Quem anda atento pela
Feira de Santana também vê muros pichados. E, com o auxílio de um mapa, boa
memória e alguma perícia, consegue traçar as áreas dominadas por determinadas
facções. Uma delas, presente na Rua Nova, domina boa parte do centro da cidade
e até um pedaço da Queimadinha. A passarela que liga o Terminal Central ao
Centro de Abastecimento, por exemplo, está pichada numa das colunas.
Há quem relativize,
enxergando nas pichações galhofa de maloqueiros. Algumas, talvez, sejam.
Outras, pintadas nos acessos de determinados bairros, reforçadas com as
iniciais de quem domina as cercanias, aproximam-se dos padrões empregados em cidades
como Salvador. É um preocupante sintoma de que, mais que tentativas retóricas
de intimidação, essas organizações, aos poucos, vão afinando seu modus operandi.
A sangrenta rebelião
que resultou em pelo menos nove mortes no presídio da Feira de Santana, há
quase dois anos, foi provocada pelo confronto entre duas facções. É improvável
que, hoje, exista algum bairro periférico que já não esteja sob a influência de
integrantes de alguma dessas facções. No mínimo, existem quadrilhas de
traficantes simpáticos a alguma organização.
Novos
desafios
Salvo quando presos são
decapitados em rebeliões sangrentas, ninguém se ocupa com o tema no dia-a-dia. A
inquietação com a questão, porém, deveria ser crescente. Adolescentes e adultos
jovens, armados com revólveres ou pistolas, sobrevivendo do tráfico ou de
assaltos a transeuntes, já não se dedicam ao crime isoladamente. Teias vêm
sendo tecidas nos últimos anos, absorvendo-os.
A rigor, o intercâmbio ainda
é simples: abrigo a um foragido, resistência a inimigos comuns, parceria
nalguma ação armada, normalmente assalto. Com o tempo, as identidades se
fortalecem, as parcerias evoluem com benefícios mútuos e o domínio territorial
se amplia. Se as áreas nas quais a polícia não entra ainda não são tantas, lá
adiante podem se ampliar, cobrindo largas regiões densamente populosas.
As parcerias podem se
traduzir, também, em formas mais violentas – e mais sofisticadas – de atuação,
ampliando as fissuras já visíveis nos espaços urbanos de grandes e médias
cidades. Pessimismo? Devaneio? Pregação apocalíptica? Durante décadas os governantes
paulistas consideraram o PCC um grupelho. Deu no que existe hoje, no sistema
carcerário e nas ruas. Já existem, portanto, precedentes para as visões tidas
como pessimistas.
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