“Salvador, Salvador !!!”,
“Salvador, Salvador !!!”. Basta dobrar a esquina da avenida Sampaio com a rua Comandante
Almiro para a torrente de convites, aos berros, inundar os ouvidos dos transeuntes.
Inúmeras gargantas anunciam a capital baiana como destino dos incontáveis
automóveis que fazem o transporte de passageiros. Mais adiante, fica a fachada
acinzentada da estação rodoviária. Quem pretende chegar lá, porém, tem pela
frente uma maratona de, pelo menos, cem metros de convites, de ofertas, de
negociação.
Aquele quarteirão
abriga uma fauna variadíssima. Há os despachantes à cata de viajantes para a
capital; há usuários do transporte coletivo que aguardam, impacientes, no ponto
de ônibus de concreto encardido; há garçons que recolhem carne em
churrasqueiras nas calçadas, lançando densa fumaça gordurosa; há moto-taxistas
que papeiam à espera de eventuais passageiros; há tipos suspeitos, de ocupação
indeterminada; e, até há pouco tempo, havia prostitutas que aguardavam clientes
nos bares defronte dos diversos hotéis do entorno.
No quarteirão da rodoviária
o frenesi segue. Ali quem arrisca uma viagem para Salvador mistura-se à variada
fauna que demanda outros destinos: municípios próximos, do entorno feirense;
tabaréus que retornam às lonjuras sertanejas, carregando malas e valises; gente
do Recôncavo, que vem à Feira de Santana comprar gêneros para seu pequeno
comércio; e hóspedes dos hotéis das redondezas, que se retardam pela cidade, à
espera do horário do ônibus ou aventurando algo pela Feira de Santana.
Por ali muita gente
“corre atrás do real” transportando gente pelas rodovias baianas que se
irradiam a partir da Feira de Santana, na definição de um sujeito que, ele
mesmo, garante seu sustento com essas viagens. Modelos, tamanhos e estados de
conservação variados asseguram um leque amplo de veículos para quem pretende
viajar até Salvador.
Presidente
Dutra
A avenida Presidente
Dutra, nos primórdios, abrigava oficinas modestas de migrantes que tentavam
ajeitar a vida na Princesa do Sertão. Depois veio o intenso comércio
automotivo, de pneus a peças. A confusão e o frenesi habituais somaram-se aos
incessantes embarques e desembarques de quem sai da Feira de Santana em direção
à capital ou ao Recôncavo. Logo na saída da rodoviária, na praça Jackson do Amauri,
do lado oposto da rodoviária, foram surgindo pontos que chegam a acomodar dezenas
de viajantes.
Esses pontos informais
constituem as alternativas de quem não chega pela Juventino Pitombo. Diligentes
agenciadores empenham-se para arranjar passageiros para diversos destinos:
Santo Amaro, Madre de Deus, Conceição do Jacuípe, Cabuçu, Alagoinhas, Saubara,
São Francisco do Conde. Não há muita margem para negociação: os preços costumam
ser fixos, ligeiramente superiores às tarifas oficiais. A justificativa é a
viagem mais rápida, com menos paradas.
Também por ali não
faltam sacolas, malas, mochilas e embrulhos de diversos tamanhos. Alguns
combinam viagens encrencadas para áreas rurais, regateando no preço, oferecendo
algum real a mais para o motorista conterrâneo. Quando o sol é mais intenso,
resguardam-se sob as marquises das lojas, detrás dos postes ou sob os tetos
exíguos dos carrinhos de lanche.
O transporte
alternativo é tão arraigado nos hábitos do baiano que as próprias empresas que
promovem o transporte regular, via ônibus, despacham cobradores que vão ali,
naquele emaranhado de alternativos, vender bilhetes dos veículos que estão
saindo da rodoviária nos próximos minutos. Os cobradores de algumas empresas
até oferecem promoções, gritando da porta do ônibus.
Economia
informal
Todo o teatro do
transporte alternativo se dá sob a frequente omissão do poder público. Sólida,
a atividade se ramifica, gerando ocupações indiretamente vinculadas ao
transporte. É o caso dos incontáveis vendedores de alimentos que se espalham pela
Presidente Dutra. De manhã há o café quente, o mingau de tapioca, o mugunzá, o
pão com manteiga que alguns não dispensam. Mais tarde há a coxinha, o pastel, o
suco, o bolo, o refrigerante que afugenta a fome de quem a viagem desorganizou
os horários.
Alguns ambulantes embarcam
nos ônibus, aboletam-se nas vans, saem exibindo seus produtos. Nas viagens
cujas paradas são frequentes, a pontualidade é rara. Daí a transação rápida com
dinheiro miúdo e o consumo ávido do produto. Isso sob os pregões do cobrador,
os arrancos em ponto morto do motorista e as cobranças em altos brados dos
passageiros por mais celeridade.
A cena se repete,
infinitamente, a cada manhã ensolarada. Eventualmente, chuvas desabam pela
madrugada e ao amanhecer, tornando penoso o vai-e-vem; pelo inverno, uma bruma
esbranquiçada paira, densa, sobre a Presidente Dutra. E dela, emergem,
fantasmagóricos, as vans e os cobradores apressados, que se resguardam com
agasalhos.
Há, nisso tudo, uma
vida intensa, profunda, pulsante, que qualquer narração reproduz apenas
palidamente. E os calculados discursos oficiais conseguem fazê-lo menos ainda,
quando, eventualmente, o tema vem à tona, exigindo-se fiscalização e
regulamentação.
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