Quando
a crise econômica começou a ganhar intensidade, a partir do início de 2015, a
grande recomendação dada aos brasileiros desafortunados, aqueles demitidos logo
no início da recessão, era que apostassem suas fichas no empreendedorismo. Com uma
modesta poupança, poderiam investir num negócio qualquer e fazer algum dinheiro
para ir vivendo, tocando o barco. E, na tela mágica da tevê, sucediam-se
exemplos exitosos: gente que, com o empurrão da recessão, se tornou
microempresária, fazendo farto uso da inata criatividade do brasileiro.
A
fórmula mágica funcionou durante meses. Bastava ligar a televisão para
encontrar, lá, um empreendedor sorridente que driblava a recessão. Não faltaram
as tradicionais dicas, nas seções de prestação de serviços dos telejornais,
orientando sobre como aplicar e, nos casos mais extremos, sobre onde arranjar
dinheiro emprestado.
Aqueles
que foram empurrados para o biscate não ficaram desamparados: especialistas
deram sugestões, muitos repisaram o mantra da inovação e da diferenciação dos
serviços e a retórica da superação amparou, onipresente, todas essas
reportagens. Como impulso adicional, vieram os inevitáveis exemplos. Até um
pitoresco cidadão que vendia água mineral em semáforo, trajando paletó, foi
apresentado como inspiração.
Talvez
a fórmula funcionasse numa crise curta e menos intensa. Mas o fato é que muitos
dos que surfaram a onda do empreendedorismo, por desespero ou desamparo, se
deram mal: o que não falta são placas de “aluga”, “vende” ou, simplesmente, uma
fachada abandonada onde, há pouco tempo, surgiu o novo negócio de um microempresário
esperançoso.
A
crise é profunda demais para remendos do gênero. O desemprego elevado frustra a
alternativa, fundamentalmente, de duas maneiras: por um lado, há o excesso de
empreendedores disputando mercados limitados; por outro lado, a demanda é
baixa, justamente em função do desemprego excessivo e da compressão da renda
das famílias.
Periferia
Quem
quiser constatar o fenômeno em qualquer cidade brasileira nem precisa
debruçar-se sobre estatísticas, percorrendo áridos levantamentos sobre a
atividade comercial e de serviços. Basta circular por uma cidade qualquer. As
periferias, especialmente, são palco privilegiado de observação. Nelas, a
frágil situação econômica das famílias alavancou muitas iniciativas do gênero.
Em
Feira de Santana, o comércio de bairro experimentou inédita expansão e vigorosa
prosperidade até 2014. As ruas principais foram ocupadas pelo comércio, com
lojas de diversos tamanhos que ofereciam ampla variedade de produtos. Logo em
2015 muitos não resistiram ao tranco da recessão e foram à falência. Não faltou
quem, apostando no empreendedorismo, resolvesse arriscar um aluguel para
colocar um produto qualquer no mercado.
Dois
anos depois, o cenário é funesto: salões de beleza, lojas de utilidades domésticas,
mercearias, açougues, padarias, lanchonetes, bares e restaurantes deixaram de
existir. Alguns pontos permanecem à disposição para aluguel ou venda, com
placas que vão se desfazendo pela ação do tempo; outras exibem apenas o
desolador cenário de abandono, com a pintura opaca acumulando a poeira da rua.
Parque
Ipê, Campo Limpo, George Américo, Pampalona, Sobradinho, Tomba e Feira VII são
apenas alguns dos bairros feirenses que refletem esse cenário. Não é apenas o
desemprego e a compressão da renda que tornam o consumidor arredio: é a
incerteza econômica que deriva das turbulências políticas. E, como ingrediente
adicional, a austeridade seletiva que só chega para os mais pobres, conforme
eles já enxergam.
É angustiante ver a
sucessão de “vende” ou “aluga” – em alguns lugares, as placas se sucedem – e
não enxergar perspectivas no curto prazo. Afinal, dolorosamente, elas não
existem. Pelo menos dizem que o brasileiro tem muita fé em Deus. É fundamental,
pelo menos até atravessarmos essa quadra duríssima.
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