Não faz muito tempo,
escrevi um texto comentando que servidor público é espécie em extinção no país.
E o motivo é muito simples: no Brasil atual já não cabe o modelo do funcionário
público estável, qualificado e concursado para tocar a prestação dos serviços
públicos e, em grande medida, a própria administração pública. Essa gente rende
pouco voto e acaba atrapalhando a lógica política vigente hoje, de altas
barganhas e intensas tratativas fisiológicas de balcão.
Pois bem: não demorou
e as investidas para revogar a estabilidade do funcionalismo começaram. A
primeira delas vem da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), ilustre
desconhecida até aqui. O que a notabiliza é o fato de ser casada com João Alves
Filho (DEM-SE), antigo oligarca da capitania do Sergipe.
Projeto de lei
apresentado pela senadora pretende instituir avaliações periódicas de
desempenho para todos os servidores públicos estáveis do país. Quatro
avaliações negativas – desempenho abaixo de 30% - representam o olho da rua.
Dez consecutivas abaixo de 50% implicam no mesmo destino.
Li todo o projeto.
Metade do tempo das repartições vai ser usado, caso o projeto prospere, para
planejar essas avaliações. É o que se deduz dado o nível de detalhamento do
texto. A outra metade do tempo, claro, será dedicada à tortura psicológica, ao
medo e a infinitas outras formas de constrangimento. As tarefas cotidianas,
pelo jeito, vão ficar em segundo plano.
Prefeito
fazendo festa
A proposta vai
passar? É muito provável. Afinal, revogar a estabilidade do servidor pode
render muitos frutos políticos lá adiante, quando o projeto de poder que vai
sendo erigido aí estiver funcionando a pleno vapor. Avaliar o desempenho do
servidor público é desejável. É necessário, porém, um mínimo de discussão e o
necessário apuro técnico para propô-lo. As duas condições estão ausentes na
proposta da ilustre senadora.
Fico imaginando um
prefeito desses, exalando poder, herdando uma prefeitura de um rival que ele
suplantou nessas eleições fraticidas, comuns no interior. Quatro avaliações de
servidores eleitores do adversário derrotado – meros dois anos – serão
suficientes para impor baixas consideráveis nas fileiras adversárias. E abrirão
caminho para o recrutamento de mais gente do vencedor da eleição.
Sindicalistas,
intrépidos grevistas, funcionários contestadores, desafetos pessoais das
chefias imediatas: toda essa gente entrará na alça de mira das avaliações. Não
sobrará, de cara, pedra sobre pedra; no longo prazo, o Estado vai se reduzir a
um butim cobiçado, mas que prestará péssimos serviços à sociedade, caso ainda o
faça. O balcão – essa imorredoura instituição nacional – vai converter o país
num imenso vale-tudo.
O silêncio sobre a
precarização do serviço público no Brasil hoje é ensurdecedor. Aqueles antigos
partidos mais à esquerda, inclusive, compactuam com o desmanche, conservando um
silêncio cúmplice. Talvez de olho num retorno ao poder lá adiante, podendo
indicar levas de aliados inveterados ou circunstanciais.
De fato, o Brasil não é
para amadores.
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