“Vocês
precisam fazer uma matéria com um rapaz que está aqui”. O pedido partiu de um
servidor administrativo do Conjunto Penal de Feira de Santana, numa manhã
ensolarada de 1997. À época, militando na editoria de polícia do extinto jornal
Feira Hoje, visitávamos com frequência as delegacias feirenses e o próprio
presídio. Nele, cobríamos rebeliões, entrevistávamos presos e autoridades, fazíamos
cobertura de visitas oficiais. Mas a solicitação daquela manhã era inusitada.
O
rapaz era preso provisório, aguardava decisão da Justiça sobre seu destino.
Órfão, durante anos ficou abrigado numa entidade assistencial para menores em
Feira de Santana. Depois de adulto, foi viver num município vizinho. Era dependente
de álcool. Essa condição favoreceu um dos mais absurdos encarceramentos de que
já ouvi falar.
“Ele
furtou duas garrafas de cachaça numa quitanda. O dono descobriu e ele acabou
devolvendo. Não houve nenhuma violência. Mesmo assim, foi enquadrado pelo
delegado ‘calça-curta’ da cidade em vários artigos do Código Penal”, narrou,
pesaroso, o funcionário público.
Fiquei
pasmo. Ele prosseguiu: “Qualquer advogado derruba a prisão. Formação de
quadrilha, porte de arma, desacato à autoridade... O problema é que ele está
aí, desamparado”, arrematou. A matéria serviria para tornar público o drama do
rapaz. Tentamos algumas vezes conversar com ele, mas a administração do
presídio, estranhamente, não autorizou.
Esquecido
Os dias foram passando e outras pautas foram se sobrepondo àquele caso escabroso. Naqueles tempos, muita gente sem formação acadêmica, e sem concurso público, exercia a função de ‘delegado’ nos pequenos municípios baianos. Certamente não eram raros os casos de abuso de autoridade como aquele.
Os
presídios, sobretudo aqueles construídos há décadas, costumam ser lúgubres. O
de Feira de Santana não fugia à regra: pavilhões e galerias escuros, úmidos, impregnado
pelo odor característico de gente encarcerada, que nem generosas aplicações de
creolina conseguiam disfarçar. Lá, o infeliz que pretendíamos entrevistar fora
encafuado e, calculo, sofria terrivelmente.
Imagino
que o número de desvalidos nos cárceres, responsáveis por pequenos delitos, só
cresceu ao longo dos últimos 20 anos no Brasil. Afinal, a quantidade de presos
aumentou de maneira alarmante. É o que atestam as reportagens sobre o tema, que
se tornaram comuns neste janeiro, com as sucessivas rebeliões no Amazonas, em
Roraima e no Rio Grande do Norte.
Na Bahia, anuncia-se um mutirão para rever
processos de presos provisórios. É uma iniciativa válida, elogiável. O
desejável, porém, seria mudar a própria cultura do encarceramento, corriqueira
no país. Mas isso leva tempo. Até lá, muitas outras injustiças ainda vão
emergir na crônica policial brasileira.
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