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Feira no triste ranking da violência do Ipea

Saiu mais um levantamento sobre a violência no Brasil. Esse é de 2017 e emprega números referentes ao ano passado. Nele, a Feira de Santana figura na trigésima colocação entre as mais violentas. O estudo é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, e foi divulgado há poucos dias. O trabalho considera apenas os municípios com população superior a 100 mil habitantes. Por aqui, na afamada Princesa do Sertão, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é assustadora: 68.
Mas há quem se sobressaia ainda mais: Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), alcançou inacreditáveis 97; mas na lista estão também Simões Filho (92) e Teixeira de Freitas (88). No geral, nove municípios baianos figuram entre os 30 mais. Basicamente, cidades do Norte-Nordeste lideram o triste ranking.
Estudos do gênero rendem manchetes apelativas. Mas a imprensa costuma ir pouco além dos tradicionais clichês, já que hoje existem poucos jornalistas traquejados com o tema. Já as autoridades responsáveis apelam: desqualificam os pesquisadores, as instituições de pesquisa, a metodologia e, caso esses expedientes fracassem, farejam interesses políticos de adversários ou apontam sensacionalismo da própria imprensa.
No caso recente, como era previsível, o levantamento foi relativizado pelas autoridades dos estados cujos números são mais desfavoráveis. Na medida do possível, todo mundo tangenciou a questão: experts em método vieram à tona questionar a metodologia; outros tantos enxergaram vieses nos levantamentos; e houve, também, quem utilizasse o ataque como estratégia de defesa, acusando estados “rivais” de manipular números.

E a Bahia?

O patamar aceitável de homicídios, de acordo com estimativas de organismos internacionais, é de nove por 100 mil habitantes anualmente. Países desenvolvidos, em sua maioria, giram em torno dessa média. Na Feira de Santana, esse número é mais de sete vezes superior, alcançando impressionantes 68 assassinatos, como apontado inicialmente.
No geral, o quadro é alarmante. Mas, em relação a certas particularidades, é ainda mais estarrecedor. É o caso, provavelmente, da juventude afrodescendente residente nas periferias. A probabilidade de um jovem na faixa etária dos 15 aos 29 anos morrer é bem superior à da média da população em geral; e caso, além de jovem, seja negro, o risco é ainda mais elevado. Na Feira de Santana, basta acompanhar o noticiário para comprovar que o município se encaixa na regra geral do país.
A matança cresce ano a ano, as explicações são repisadas a cada levantamento, mas nada muda. Pelo contrário: o que se vê é o discurso do endurecimento das leis, das punições crescentes, do rearmamento como solução para pacificar o País. Ironicamente, aqueles que tocam esse genocídio raramente são identificados ou presos, mas pouca gente reclama desse tipo de impunidade.
Ninguém pode se iludir: a tendência é que esses números permaneçam elevados nos próximos anos, caso não sigam crescendo, como se observa há muito tempo. Antes da guinada em direção à civilização, é necessário que as mentalidades – individuais e coletivas - comecem a mudar. Nada sinaliza que, no geral, isso vá acontecer no médio prazo.

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