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Reforma trabalhista revogou o salário-mínimo

Vai demorar algum tempo para o trabalhador brasileiro se aperceber do assalto aos seus direitos orquestrado a partir da revogação de parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Câmara e Senado aprovaram a proposta de Michel Temer (PSDB-SP), o mandatário de Tietê, que já sancionou a iniciativa. A validade começa em quatro meses. Aqueles que serão contratados para as vendas de final de ano estarão entre os primeiros a sentir os efeitos. Mas isso vai se irradiar, alcançando todo mundo que trabalha sob o regime da CLT.
A tragédia pode ser analisada sob inúmeras óticas. Afinal, a amplitude da ofensiva é inédita: desde o início da vigência da CLT, ainda na década de 1930, nunca se havia tentado tamanho desmanche. Aguardaram o momento de profunda desmobilização dos trabalhadores para lançar o ataque, com pleno êxito até aqui. Inúmeras análises já circulam na praça e muitas outras ainda vão aparecer. Um dos efeitos mais terríveis, por exemplo, é sobre o salário-mínimo.
Não é novidade que muita gente trabalha sem carteira assinada e sem, sequer, direito ao salário-mínimo no Brasil. Mas isso vai piorar: sobretudo porque, a partir de agora, o empregador vai poder contratar, legalmente, pela festejada jornada intermitente. Se trabalhar meio expediente, ou só nos finais de semana, por exemplo, leva o valor proporcional do salário-mínimo. Na prática, portanto, o salário-mínimo foi revogado.
Quem marchar sob a jornada intermitente vai enfrentar embaraços para pagar a Previdência, por exemplo. Isso caso o faça: com esse nível de renda, a tendência é os desafortunados se concentrarem na dura luta pela sobrevivência, hoje, imersos no dia-a-dia brutal. Caso sobrevivam, já sexagenários, certamente tentarão o benefício social do idoso pobre, porque não alcançarão nem mesmo a irrisória Previdência oficial.
Muita gente está comparando o desmanche da CLT com a revogação da Lei Áurea e o retorno da escravidão. Hoje o cenário apresenta uma perversa ironia. É que, até o século XIX, o senhor de escravos tinha, pelo menos, a obrigação de alimentar e abrigar seus cativos. Afinal, compunham o patrimônio deste. Hoje o trabalhador é livre: ninguém tem a obrigação de alimentá-lo ou abrigá-lo.
Dizem os arautos do liberalismo brasileiro que a revogação da CLT vai implicar em liberdades adicionais: patrão e trabalhador poderão negociar livremente, fixando as regras dessa relação com mais autonomia. Não é por acaso que essa “liberdade” foi concedida num momento de crise – quando cai o cacife do trabalhador para negociar – e, mesmo assim, precedida da reforma que removeu inúmeras salvaguardas do trabalhador.
Apesar das pesquisas indicarem a insatisfação da população com a reforma, houve pouca mobilização para freá-la. É que os brasileiros parecem mergulhados numa letargia que, talvez, só comece a se dissipar quando os efeitos das perversas reformas forem sentidos. Mas nem isso é certo. Até aqui, a única coisa certa é o grande retrocesso que se desenha para os próximos anos.

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