Pular para o conteúdo principal

Rombos mostram que austeridade fiscal é fantasia

Se há algo que não combina com o PMDB é a austeridade fiscal. Os cardeais da legenda defenestraram o petismo com o discurso reluzente da responsabilidade fiscal, da redução de gastos, do equilíbrio nas contas públicas. Até no mercado financeiro surgiram crédulos, entusiasmados com a guinada fiscalista festivamente anunciada. E tome elogio à temerária equipe econômica. Pois bem: a revisão do rombo nas contas públicas – R$ 20 bilhões adicionais em 2017 e R$ 30 bilhões a mais em 2018 – mostra que, apesar dos discursos, a gastança segue sem freios.
É claro que, em alguma medida, existe austeridade. Mas é uma austeridade seletiva, que abalroa basicamente os mais pobres, particularmente os beneficiários dos programas sociais. Estão aí a dramática redução do Bolsa Família e dos programas de transferência de renda para atestar.
Em 2017, não houve reajuste no valor do programa – a manutenção do rigor fiscal foi a alegação – mas torraram-se R$ 13 bilhões para salvar Michel Temer (PMDB-SP) da investigação solicitada pela Procuradoria Geral da República, em despudorada negociação com deputados. É muito mais do que seria necessário para assegurar algum alívio para os desafortunados que dependem do benefício.
Os generosos benefícios e isenções concedidos a inúmeras empresas – origem da ruína orçamentária que a gestão Dilma Rousseff (PT) provocou – não são, sequer, discutidos pelo mandatário de Tietê e sua turma. Alega-se que não se mexe em contratos vigentes, para não provocar instabilidade jurídica. No entanto, se mexe nos direitos da patuleia, recorrendo à retórica apocalíptica para provocar pânico e facilitar a supressão de direitos.

Efeitos políticos

O todo-poderoso ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, desde o início do ano reitera que a economia brasileira já saiu da recessão e está crescendo: os números apurados até aqui, porém, indicam que, na melhor das hipóteses, o país permanece estacionado no fundo do poço; antes, reiterava-se que as metas fiscais eram realistas e seriam cumpridas, sinalizando para o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.   
Esses avanços e recuos, idas e vindas – algumas situações flertaram com o amadorismo – mostram um governo perdido, sem projeto para o país, cujo único compromisso é agradar empresários e a elite financeira, fustigando a população. O pior é que é um afago sem estratégia, mais próximo do balcão que dos conclaves dos planejadores.
A única preocupação de parte do governo parece ser escapar da Justiça e construir as condições para que o grupo hoje hegemônico no poder se perpetue pelo futuro próximo, açoitando a democracia. Não é à toa que o mandatário de Tietê está propondo o ardil do parlamentarismo, de maneira açodada e sorrateira, valendo já para 2018. Depois da rasteira no petismo, manobras do gênero se tornaram fichinha.
Não é à toa que a rejeição ao governo é tão elevada. Também não é à toa que muitos não veem perspectiva no que está aí, comandando o país. E anseiam por eleições imediatas que, provavelmente, não vão ocorrer porque o emedebismo manobra cargos e verbas com maestria.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express