Há
cerca de trinta anos os primeiros produtos chineses começaram a ser vendidos
pelas ruas da Feira de Santana. Eram, basicamente, relógios de parede, dourados,
e rádios de pilha, vermelhos ou azuis. Pequenas bancas de madeira, dobráveis,
expunham os produtos, à venda pelos becos próximos à praça Bernardino Bahia. Esses
produtos eram importados do Paraguai, em longas, penosas e – muitas vezes –
arriscadas viagens rodoviárias. Os preços encaixavam-se nos bolsos dos
feirenses mais pobres e a qualidade era reconhecidamente sofrível.
Ao
longo dos anos 1990 o espetacular crescimento econômico chinês assombrou o planeta
e se refletiu no comércio de rua mundo afora. À medida que o país asiático
crescia, ampliava-se a oferta de seus produtos nos camelódromos, centros
comerciais e lojas de produtos populares. Aos poucos, os chineses foram fabricando
produtos mais complexos – sempre a preços altamente competitivos –, conquistando
novos mercados e, como no caso brasileiro, condenando à ruína a indústria
nacional.
Lembro
que, há uns dez anos, entre as cervejas de uma tarde de sábado, adverti um
amigo que, em breve, os brasileiros estariam comprando carros chineses.
Aficionado por automóveis, ele riu: bastaram dois ou três anos para que ele
próprio comentasse, empolgado, a chegada dos veículos daquele país asiático ao
mercado brasileiro.
Capitalizados
por sua indústria, os chineses se tornaram, também, insaciáveis compradores de
matérias-primas e commodities
agrícolas. Foi essa gula que sustentou a prosperidade brasileira nos últimos
anos e que, agora, atrai capitais chineses para plantar e beneficiar soja,
construir ferrovias, portos, financiar obras públicas e erguer centros
comerciais populares Brasil afora, a exemplo do polêmico shopping popular ali
no Centro de Abastecimento.
Hegemonia?
Ninguém
reclamava quando os chineses se limitavam a exportar as quinquilharias que
desempregados mercadejavam por ruas e praças e que atendiam às comodidades do
consumidor brasileiro pobre. Isso, evidentemente, constituía uma etapa
preliminar do processo de expansão comercial dos chineses. Quando as relações
comerciais se intensificaram, exigindo logística mais complexa, os orientais
começaram a desembarcar, discretamente, em solo brasileiro.
Antigamente,
só se viam asiáticos na Liberdade – o bairro paulistano marcado por intensa imigração
japonesa – e, mais recentemente, naqueles centros comerciais do centro antigo
de São Paulo. Isso mudou: até por aqui, no Feiraguai, na Conselheiro Franco e
na Marechal Deodoro são comuns os rostos chineses e coreanos tocando prósperos
e sortidos estabelecimentos comerciais.
Avassalador,
o tsunami comercial chinês mudou a própria geografia econômica da América
Latina. Afinal, países como o Chile, o Peru e o Brasil – sim, o Brasil – têm no
país asiático seu principal parceiro comercial. E esses laços seguem se
intensificando, como atestam as frequentes missões de governos brasileiros em
direção à Ásia. Já faz sentido cogitar a construção de uma hegemonia comercial
chinesa que, pelo menos transitoriamente, vem colocando os Estados Unidos em
plano secundário.
Shopping Popular
É
espantoso, portanto, que alguns distraídos se assombrem com o silencioso – mas
agressivo – avanço comercial chinês. Nos parlamentos, como ocorreu na Feira de
Santana tempos atrás, vereadores iracundos destilam uma xenofobia tosca,
constrangedora até. Afinal, reclamam da presença chinesa, mas ignoram que a
matéria-prima do comércio de rua vem, quase integralmente, do longínquo
oriente. Com ela, começaram a vir levas de imigrantes. É parte da estratégia.
Raciocínios
do gênero deram fôlego à xenofobia, que é apenas uma das formas de preconceito
que viceja hoje no país. Por isso, é intenso o rebuliço produzido na Feira de
Santana com a revelação que empresários chineses são sócios do festejado
shopping popular, construído ali no Centro de Abastecimento. Querem que esses nos
vendam seus produtos baratos, mas se recusam a aceitar a mão de obra oriental.
O
fato é que o imbróglio vai assumindo proporções gigantescas – chinesas talvez,
pra se recorrer a um trocadilho – à medida que a prefeitura anunciou que o espaço
era para abrigar 1,8 mil camelôs e ambulantes espalhados pelo centro da cidade.
Os chineses, possivelmente, não entrarão no negócio apenas para exercitar a
benemerência, exclusivamente favorecendo os trabalhadores feirenses.
No que vai dar esse enrosco
é difícil saber. Prevalecerão as intenções reveladas pela prefeitura para
justificar a demolição dos boxes de artesanato, com a acomodação dos camelôs
feirenses no espaço? Prevalecerão os interesses chineses e o centro da cidade
vai permanecer caótico? Ou vai se chegar a um meio termo, com recuos de parte a
parte? São cenas dramáticas da polêmica novela do Shopping Popular...
Comentários
Postar um comentário