Pular para o conteúdo principal

A peleja dos boxes de artesanato contra o Shopping Popular

As obras do badalado shopping popular avançam velozmente no Centro de Abastecimento. Parte da estrutura, inclusive, já está coberta. Tapumes metálicos impedem que os curiosos examinem com mais vagar a obra, cujos ruídos ressoam no teto metálico e vão morrer em meio ao burburinho da efervescente praça do Tropeiro. As máquinas emitem ruídos monótonos e os operários, frenéticos, apressados, se movem, gritando ordens, gesticulando, emprestando vida à construção cinzenta que se empertiga e vai ganhando forma final.
Ali do lado o cenário é desolador. Parte dos boxes do setor de artesanato já veio abaixo. Avolumam-se restos de construção. Sobram o ferro retorcido, o entulho avermelhado recoberto por uma camada de poeira que doideja no ar. Aquilo lembra destroços de guerra. Próximos, imponentes, os tratores luzidios que aguardam o momento de pôr abaixo o que resta daquelas construções de teto acinzentado e tijolos aparentes, vermelhos, já desbotados pelo tempo.
Espantosamente, a poucos metros das toneladas de entulho, alguns comerciantes resistem, teimam em não sair. Portas metálicas levantadas, produtos em exposição, letreiros sinalizando a especialidade da loja. Há consumidores transitando por ali também, desviando das máquinas, dos tapumes e do entulho, avançando em meio à poeira avermelhada, que dança vagarosa no ar.
Resta pouco daquele capítulo da História do Centro de Abastecimento. Originalmente, aquele espaço deveria abrigar o comércio de artesanato e, por inércia, reverberar parte da pulsante cultura sertaneja. Para tanto, havia uma arena, acanhada, destinada às atividades culturais. Foi a primeira baixa: meses atrás, se transformou num monte de destroços, de concreto fragmentado e vergalhões retorcidos.

1,8 mil camelôs

Quando for entregue – é o que se promete – o shopping popular vai abrigar 1,8 mil camelôs que sobrevivem do comércio nas ruas centrais da Feira de Santana. O empreendimento está sendo tocado por uma parceria público-privada envolvendo a prefeitura e um grupo empresarial. Promete-se, com a iniciativa, reordenar o centro da cidade e oferecer ocupação àqueles que vivem, há muitos anos, com suas bancas e barracas ofertando uma infinidade de produtos.
A obra caminha para a conclusão, mas o que menos se vê é consenso. Aqueles que trabalhavam nos boxes de artesanato resistiram, mas estão saindo aos poucos: intuem prejuízos futuros com a remoção; quem labuta como camelô pelo centro da cidade tampouco está satisfeito: desconfiam dos mesmos prejuízos, com o agravante que deverão pagar pelos espaços ocupados no badalado empreendimento.
Como desgraça pouca é bobagem, muita gente teme que os chineses e seu capital se apropriem do novo empreendimento, alijando os nativos. O temor não é infundado: rostos orientais – coreanos e chineses – dão o tom nos incontáveis centros de comércio popular espalhados pelo centro antigo da capital paulista. São maioria absoluta naqueles boxes minúsculos que vendem do fone de ouvido ao condicionador importado, do pen drive ao adereço para a parede.
Para conter o avanço – as especulações pelas ruas da cidade fervilham – a prefeitura anunciou que só poderão ocupar os espaços brasileiros natos ou naturalizados, priorizando camelôs e ambulantes previamente cadastrados. A medida é suficiente para assegurar a reserva de mercado? Manobras para contornar restrições do gênero são comuns no Brasil. Os exemplos pululam.

E o Centro de Abastecimento?

Simultaneamente àquele drama, o Centro de Abastecimento segue funcionando. Entre os galpões de carnes e o galpão de cereais motoristas tentam estacionar, flanelinhas orientam manobras com gestos teatrais, donas-de-casa transitam com sacolas, tabaréus trocam dois dedos de prosa trajando gibão de couro, vendedores de verduras e hortaliças exaltam a qualidade de seus produtos e muita gente descansa sob a sombra dos galpões, resguardada do sol inclemente.
Pelos galpões, açougueiros manejam facões com perícia cortando carne, vendedores pesam a linguiça e a sal presa para o cliente, alguns se dedicam a devorar generosas porções de ensopado com cuscuz, outros pesam a farinha e o feijão e há quem arrume com capricho produtos diversos nas prateleiras dos boxes. Aparentemente, as intervenções vão se esgotar com a construção do badalado equipamento, encrustado na área do Centro de Abastecimento.
Em meio aos conflitos e à desinformação, os boatos circulam. Há quem fale, até mesmo, na remoção das demais atividades do Centro de Abastecimento, na construção de um novo entreposto. A conversa é antiga, às vezes vem à tona, mas agora ressurge num contexto diferente, depois que área expressiva foi destinada a atividade comercial diversa da tradicional.
Os movimentos do capital imobiliário costumam ser lentos, mas quando desencadeados, transformam drasticamente os espaços. E a área do Centro de Abastecimento é tentadora: ampla, central, acessível e rara numa época de intensa de exaustão dos espaços disponíveis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express