A
Feira de Santana começa a retomar sua rotina hoje, depois do recesso
carnavalesco que se estendeu por três dias no comércio. A Quarta-Feira de
Cinzas é data importante no calendário católico, com suas celebrações, o almoço
que exige o peixe, conforme a tradição, e o início da Quaresma. O Centro de
Abastecimento e os supermercados devem registrar movimento intenso em função da
data e muita gente deve acorrer ao centro da cidade para trabalhar, comprar ou
resolver pendências.
Quem
ficou na cidade percebeu o paradeiro e a quietude, inclusive ontem à noite,
quando muita gente começou a retornar para retomar a rotina. Na televisão,
houve uma cobertura intensa dos festejos, que se estende até o final de semana.
Apesar da ampla cobertura, mudanças estruturais na feste seguem sendo ignoradas
pela cobertura convencional.
No
plano doméstico, Salvador experimenta uma mudança que vem se intensificando a
cada ano. Ela implica na dramática redução dos blocos com cordas – a crise
econômica deu o impulso inicial a partir de 2015, quando caiu a demanda por
abadás – e no esforço pelo resgate de tradições antigas, como ir ostentando
fantasia para o circuito da folia. Alguns fatores contribuíram para essa
mudança de perspectiva.
Um
deles é que a música feita na Bahia – a chamada “axé music” – não se renova
mais. As badaladas estrelas de outrora envelheceram, depois de décadas sobre
trios, animando foliões. O que restou foi o lastimável pagode, com sua
musicalidade primitiva e suas letras deploráveis. Há, claro, honrosas exceções
que transitam por outros gêneros, como o samba. Mas é pouco para sustentar o
lucrativo business do passado. Esse
fator – talvez o principal – alavancou a transição.
Concorrência
O
declínio daquela musicalidade baiana autêntica – inspirada na ancestral cultura
africana, mas influenciada pelo fervilhante Caribe – somou-se a essa derrocada.
Hoje importam-se “estrelas” de outras praças para tornar mais atrativa a folia
baiana. É desnecessário observar que esse repertório embalado e plastificado
pelo show business encontra-se em
qualquer lugar. Nem é preciso vir à Bahia para se deparar com ele.
Outro
fator é a concorrência. Metrópoles que, antes, forneciam generosos fluxos
turísticos para o Carnaval, passaram a investir em suas festas domésticas. São
os casos de Belo Horizonte e, sobretudo, São Paulo. Fenômeno resgatado, o bloco
de rua ocupa uma lacuna nesses lugares, talvez retendo muita gente que,
potencialmente, poderia viajar até Salvador. Os blocos se expandiram sobretudo
a partir da crise que, involuntariamente, propiciou essa experimentação.
É
provável que, no médio prazo, mudanças adicionais sejam necessárias para manter
a pujança da festa. Resgatar a cultura africana e suas manifestações – principalmente
os blocos – é um caminho. Assim como os próprios blocos nascidos nas
comunidades, que desfilavam no passado, mas que foram tragados pela lógica
mercantil da indústria do Carnaval, com cordas e segregação.
Estatização
Ironicamente,
nesses tempos em que se fala em privatizar tudo, a estatização do Carnaval vem
se tornando tendência. Pode faltar médico em posto e professor em escola, mas
não falta artista em cima de trio bancado com dinheiro público. Nem a farta
propaganda na imprensa anunciando que são os governos que contratam esses
artistas. Talvez em 2018 tenha sido mais intenso porque é ano eleitoral e, como
todos sabem, sai-se adoidado à cata de votos.
No
interior, gastam-se fortunas – para os padrões dos orçamentos locais – em
festejos juninos, sob o nem sempre justificável argumento de que essas festas
“atraem turistas” e “dinamizam a economia local”. Replicando-se esse argumento
durante o Carnaval, como se vê, dá a sensação que a Bahia não passa de uma
grande prefeitura interiorana.
Mas, apesar dos eventuais
equívocos e do incessante esforço para capitalizar os méritos da festa, o
Carnaval de Salvador segue se transformando, impelido pela conjuntura e pelas
circunstâncias. Talvez – quem sabe – esse bafejo renovador alcance a Feira de
Santana que, há muitos anos, repete uma Micareta fria e pouco atrativa para o
feirense.
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