Foi-se
o tempo em que a presença chinesa no Brasil se resumia às quinquilharias que
eram importadas via Paraguai – em prolongadas e arriscadas viagens de ônibus – e
revendidas nos camelódromos que foram se proliferando a partir da prolongada
crise dos anos 1980. Desde 2009 que os chineses são os principais parceiros
comerciais do Brasil. Naquele ano, ultrapassaram os Estados Unidos. E, desde
2003, só os investimentos totalizam US$ 53,5 bilhões de dólares.
Na
imprensa, alardeia-se que “empresários chineses” fazem investimentos no País.
Balela: a estimativa é que o montante aplicado pelo Estado chinês, via empresas
estatais, bordeje os US$ 40 bilhões, desde 2003 também. Os setores de energia,
logística e agricultura figuram entre os segmentos preferenciais dos asiáticos.
Michel
Temer (PMDB-SP), o mandatário de Tietê, esteve na China numa de suas primeiras
incursões internacionais. A justificativa para a festiva viagem foi atrair
investimentos. Coincidência ou não, ano passado, os chineses investiram R$ 20
bilhões por aqui, segundo noticiou a imprensa especializada. Aproveitaram o
ambiente de desmanche da nação para comprar tudo que puderam.
Em
tese, o liberalismo caipira brasileiro deveria alcançar múltiplos orgasmos
privatistas. Afinal, o patrimônio estatal está sendo alienado, com todos os
propalados benefícios que – reza o discurso convencional – decorrem da
iniciativa. Embora, claro, parte dessas vantagens pareça um inverossímil enredo
de ficção, já que não costumam ser vistas aonde o desmanche do Estado avançou.
Liberalismo
troncho
As
ruidosas comemorações dos nossos heroicos liberais, porém, não deixam de ser
encalistradas. Afinal – conforme se mencionou – parte do patrimônio dos
brasileiros está sendo entregue ao Estado chinês. Isso mesmo: todo aquele papo
da eficiência, da superioridade da gestão privada e outras lendas cai por
terra.
Ninguém
reclama desse detalhe: os chineses estão aí na crista da onda, despejam
dinheiro num mundo em crise e, por aqui, quem tem dinheiro costuma ser tratado
com redobrados rapapés. É parte da cultura da elite brasileira, a propósito,
aceitar, ingerências externas. O País nasceu submisso com Portugal, associou-se
à dominação e aos interesses ingleses por muito tempo, flertou com o
refinamento francês e, por fim, foi subjugado pelos norte-americanos. Pelo
jeito, chegou a vez dos chineses.
A
leitura liberal troncha – que se prende à forma e ignora a qualificação do
conteúdo – apoia, com entusiasmo, o fortalecimento dos laços bilaterais entre
os dois países. A predatória indústria chinesa está extinguindo postos de
trabalho no Brasil? É mimimi desenvolvimentista. Estamos voltando à época da
economia primário-exportadora, reassumindo a condição de meros exportadores de commodities? Devemos nos especializar
naquilo que somos bons e tudo se resolverá via "deus mercado".
Imperialismo
chinês?
A
esquerda cartorial, trôpega, tampouco reclama. Afinal, dizem que os chineses
são comunistas. Sendo assim, tudo bem: devemos aceitar a condição de satélites
da maior nação comunista do planeta. É a prédica do Partido Comunista Chinês
(PCC) à qual todos se submetem. O desmanche do Estado brasileiro – o patrimônio
do País está sendo repassado, ironicamente, ao Estado chinês – não sensibiliza
mais a velha esquerda que engordou e bebe seu uísque nos finais de tarde.
O
avanço asiático – justiça seja feita – não começou a partir da rasteira
emedebista e da ascensão de Michel Temer. Era saudada com entusiasmo desde o
início da década passada, quando o petê chegou ao poder. Nos últimos anos se
intensificou alcançando a agricultura – querem, eles mesmos, produzir aqui a
soja que consomem – e em infraestrutura, pois também almejam construir e operar
a infraestrutura logística que escoa aquilo que produzem e consomem.
Pragmáticos,
os chineses avançam sobre a infraestrutura de qualquer país que naufraga. Foi
assim com o setor portuário da Grécia e está sendo assim também com o Brasil.
Por aqui, o processo flui sem crítica: a direita exulta e a esquerda aquiesce.
É mais uma prova inequívoca que nenhum dos lados da contenda possui um projeto
de nação.
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