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Rotina deu o tom em São Paulo no dia da condenação de Lula

O crepúsculo em 24 de janeiro foi abafado em São Paulo. Apesar do calor e das nuvens no céu, não choveu na região do centro antigo da capital paulista.  Muita gente conversava, ria, entornava generosos goles de cerveja, acompanhava o noticiário na televisão ou as apresentações musicais pelos incontáveis bares da avenida São Luís, da Consolação ou da rua Xavier de Toledo. Na véspera do aniversário da cidade, o paulistano antegozava o feriado. Destoante no cenário só o helicóptero de uma emissora de tevê que captava imagens da concentração na praça da República.
Lá, petistas e simpatizantes da legenda aglomeravam-se no ato de desagravo a Lula, condenado horas antes em segunda instância por um tribunal de Porto Alegre. Alguns, envergando camiseta vermelha, lanchavam numa padaria sofisticada; outros esvaziavam latões de cerveja que ambulantes apregoavam aos gritos; alguns transitavam com bandeiras de sindicatos e movimentos sociais. À frente do trio mobilizado para o ato, dançavam balões de centrais sindicais e de partidos políticos.
A concentração na praça da República estava aquém do drama histórico que o petismo enfrentava com a condenação de Lula. Muitos daqueles que pisavam a grama maltratada da praça exibiam roupas surradas, calçados gastos e o olhar triste característico da militância paga. A faixa etária era elevada: boa parte exibia cabelos brancos ou calvície avançada. Rostos juvenis eram escassos.
Grandioso só o aparato policial: dezenas de viaturas bloqueavam um trecho da rua da Consolação, todas com o giroflex ligado. A luz vermelha e azul, intermitente, projetava-se no entorno, produzindo efeitos irreais. Aqui ou ali uma viatura arrancava ou militares provocavam ruídos estridentes com as motocicletas.
Da estação de metrô emergiam trabalhadores apressados, que, por alguns instantes, misturavam-se aos manifestantes. As latas de cerveja descartadas eram diligentemente recolhidas pela gente maltrapilha que enfrenta a feroz rotina da vida na rua na maior metrópole do País. Outros repousavam nos abrigos improvisados sob as árvores imponentes. No trio, oradores vituperavam contra a condenação, antecedendo o discurso de Lula.

Antipetismo

Horas antes – ao longo de todo o dia –, os autoproclamados movimentos sociais que mobilizaram as multidões pela deposição de Dilma Rousseff (PT) ocuparam um dos mais nobres espaços da capital, a avenida Paulista. Lá, estenderam faixas, desancaram Lula e vibraram delirantemente com a confirmação da condenação.
Só não conseguiram mobilizar as multidões de outrora: pouca gente comum se desligou de suas ocupações rotineiras para defenestrar o petismo. As catarses coletivas, a agressiva exaltação contra a corrupção, a disposição beligerante para “mudar” o Brasil feneceu nos tempos temerários que sucederam a rasteira no petismo. À noite, nos elegantes bares que circundam a avenida Paulista, bebia-se sem preocupação, fumava-se nas calçadas e as conversas eram intercaladas por risos descontraídos.
Na peleja do lulismo contra o antipetismo – ou vice-versa –, lá em São Paulo, só se enxergava vigor na estrutura repressiva da Polícia Militar no entorno das concentrações. Viaturas reluzentes, armamento de guerra e ativa disposição para reprimir dão o tom nesses tempos de democracia trôpega, em que o braço armado do Estado é o principal protagonista.
No Brás ou na rua 25 de Março aqueles dias seguiram em ritmo de normalidade: consumidoras ávidas avaliavam mercadorias, vendedores exaltavam os preços dos seus produtos, transeuntes se moviam pejados de embrulhos, restaurantes e lanchonetes, abarrotados, renovavam o ânimo de quem se dedicava às extensas jornadas de compras.
São Paulo é um dos principais palcos do intenso drama político que se arrasta no Brasil desde 2015. Mesmo assim, é visível a apatia e a indiferença da população em relação ao infindável quiproquó político que abala o País. Esse ambiente, porém, não é exclusividade daquele estado: pelos demais estados, o clima é semelhante.
A narrativa convencional aponta para eleições em outubro e, supostamente, para a escolha de um presidente legítimo. Mas tudo isso ainda é imprevisível. A única constante no Brasil atual é a apatia da população.

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