Neste
ano de 2018 o brasileiro – sobretudo aquele das periferias e dos bolsões de
pobreza das grandes cidades e os que residem nos grotões interioranos – vai
enfrentar assédio intenso. É que se aproximam as eleições e, com elas, os
tradicionais apertos de mão, os abraços com fingida intimidade e o cumprimento
rumoroso dos candidatos mais afoitos. A gincana eleitoral – bancada com
recursos públicos – não vai sair barata: R$ 1,7 bilhão serão torrados em
santinhos, bandeiras, plotagens, alugueis, combustíveis, refeições e em
gratificações para os intrépidos cabos eleitorais.
Enfiados
em suas camisas de grife, os candidatos desfilarão nas carrocerias de vistosas
caminhonetes pelos bairros populosos e miseráveis que só são lembrados quando
se sai à cata de votos. Não faltarão locutores frenéticos, exaltando as
virtudes do candidato que exibirá sorrisos amplos e gestos firmes, confiantes,
quase marciais, para a patuleia espalhada pelas calçadas estreitas.
Esses
desfiles costumam ser encorpados por extensas fileiras de automóveis de
correligionários políticos: são as populares carreatas, que substituíram os
comícios em palanques. Esses perderam apelo popular quando os shows musicais
foram proibidos. Para os candidatos é mais cômodo, porque evita os
desagradáveis contatos com a gente malvestida e, às vezes, malcheirosa, que costuma
despertar asco nem sempre disfarçável.
As
paradas são calculadas, normalmente combinadas com os cabos eleitorais. É
defronte à casa de um correligionário, é na rua que concentra populares mais
entusiasmados com o candidato, é no botequim onde muitos se aglomeram. Nesses
momentos, aliás, o eleitor faz figuração, porque o protagonismo é todo do
candidato, com seu séquito de cabos eleitorais que empunham bandeiras, agitadas
com entusiasmo.
Esse
contingente de apoiadores – recrutado na própria periferia – é remunerado a
trinta reais o dia; aqui ou ali, tem direito a um lanche; e cumpre jornada ciclópica,
sustentando a animação mesmo quando o candidato apenas encarna a mesmice; ou é
um esnobe que cumprimenta o eleitor com a ponta dos dedos e o abraça de lado,
para evitar contato mais próximo.
Rasteira na
democracia
A
rotina da campanha é antiga e muda pouco, ao sabor de ajustes eventuais do
Legislativo ou de intervenções da Justiça Eleitoral. O que vem mudando, mesmo,
é o comportamento do eleitor. Esse anda mais arredio, menos envolvido com o
oba-oba comum do período. Nas últimas eleições, vem crescendo a abstenção, o
voto nulo e em branco. Ano retrasado, quando prefeitos e vereadores foram
eleitos, visivelmente foi assim.
A
rasteira aplicada no petismo em 2016 – quando Dilma Rousseff (PT) acabou
defenestrada num controverso impeachment
– certamente contribuiu para o desencanto do eleitor. Afinal, de que adiante
votar se pode surgir aí um Eduardo Cunha e seu “Centrão” para desfazer os
resultados das urnas? Mas o desânimo é anterior e não se deve apenas ao
episódio do impeachment. É fato que o
cidadão se sente pouco representado por quem ele elege.
A
própria dinâmica eleitoral reforça o sentimento: quem vence, só reaparece
quatro anos depois, para renovar o furdunço e – quem sabe? – seguir no poder.
Quem perde se ajusta a essa lógica mesmo que, eventualmente, reclame do abuso
do poder econômico, corriqueiro num País onde se compra votos e remunera-se
regiamente eventuais apoiadores. É impossível mobilizar o eleitor, engajá-lo
politicamente.
O
engajamento, inclusive, é algo visto com pouca simpatia pelos eleitos: afinal,
participação implica em vigilância e em compartilhamento do poder, o que é
inaceitável para as velhas raposas políticas brasileiras, enfileiradas à
direita e à esquerda. Tudo isso vem desgastando o processo eleitoral e a
própria democracia, já que hoje não faltam entusiastas das quarteladas, dos
golpes, das soluções autoritárias.
Assim, de mazela em mazela,
a democracia brasileira claudica. É claro que o fenômeno, em linhas gerais, é
global, transcende as fronteiras do País, observa-se em inúmeros outros países.
Mas é necessária atenção: o fastio, o desencanto e a indiferença pela
democracia costumam estar na antessala dos regimes de força. Mesmo que, em
outubro, tenhamos aí todo o teatro eleitoral no qual se enxerga pujança e
compromisso do cidadão.
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